Era cedo, acertamos a hospedagem do Hotel Webber, cambiamos mais uma quantia com Gustavo. Nego, um taxista de Santa Helena nos conduziu até o porto da cidade.
No porto, na passagem pela polícia e receita federal, nos aconselharam a ter cuidado no outro lado da fronteira. Descemos a rua de barro e pedras irregulares, no final desta alguns caminhões e uma balsa com homens trabalhando. Nos avisaram que a travessia partiria somente às 14 horas – eram pouco mais de 10. Mudança de planos, a travessia ficaria para o próximo dia, fomos para Diamante D’oeste, na intenção de visitar a aldeia guarani Tekoha Añetete que Amarilla e Juca haviam mencionado, e também porque havíamos recebido por email um comunicado sobre um encontro dos povos guarani neste dia, para organizar um grande evento previsto para início de fevereiro de 2010. A produção desse encontro é organizada pelos próprios guarani e prevê a presença de mais de mil pessoas de várias aldeias da américa do sul.
Do porto até a estrada voltamos caminhando, um trecho de aproximadamente 4 kilômetros. Na busca por informação sobre uma parada de ônibus conhecemos Cândida, uma senhora cheia de histórias tristes sobre terras, grilagens, mortes e solidão. Seu desejo era vender tudo e ir para outro lugar, precisava se operar. O conflito por causa de terras é marcante no Oeste do Paraná. Andamos pouco mais de um kilometro e chegamos a um posto na beira da estrada, lá conhecemos Djane, Marcelo e seu pai. Nos ajudaram com informações de horários de ônibus e contatos de Diamante D’oeste. Macelo pouco circula por, o comércio prende os comerciantes em seu local de trabalho.
Na parada de ônibus conhecemos José, mineiro de 65 anos, atualmente agricultor, mas já havia feito de tudo, inclusive trabalhado como barrageiro em Itaipu. Mora em Vila Bonita, veio para o sul “caçar miora”. Recordou de Itaipu, os movimentos corporais necessários para que os barrageiros não se acidentassem no momento em que os caminhões despejavam concreto na construção, um movimento semelhante a dança da chuva. “Morreu muita gente naquele lugar” afirma José, sua feição declara uma memória viva – “Ser barrageiro é muito perigoso”.
Já em Diamante D’Oeste, a prefeitura estava fechada, Neli disse que uma carona até a aldeia seria possível, mas todos estavam almoçando. Decidimos almoçar também, andamos duas quadras em busca de um restaurante, nesse ínterim passamos por um espaço cultural onde funcionava uma rádio comunitária e um laboratório de informática recém montado pelo Gesac. Na Rádio Cidade Alta conhecemos Elisangela, de 17 anos, desde os 12 como locutora, com incentivo de seu tio Nésio, um dos idealizadores da rádio. Para Elisangela seu momento mais triste foi a despedida da rádio, iria morar em outra cidade, tempos depois retornou para Diamante e para a rádio. Na prefeitura, conhecemos Leomar, que nos levaria até a aldeia Tekoha Añetete, 12 km da cidade. Leomar trabalha na prefeitura e é estudante de história, antes disso havia trabalhado como caminhoneiro, assim pode conhecer muitos lugares que nunca havia imaginado. A paisagem de Diamante D’Oeste difere muito dos municípios e comunidade que visitamos nos dias anteriores. Leomar conhecia cada canto.
Na aldeia, entramos na escola Kuaa m’boe (Saber ensinar). Uma grande roda com vários caciques e alguns membros de instituições como Itaipu, Funasa, prefeitura… Como é de costume nas aldeias pedimos autorização a o cacique, para que pudéssemos acompanhar a reunião, mas infelizmente Mário nos disse que se tratava de uma reunião fechada aos organizadores, a justificativa foi a de que existem grupos que são contra a organização dos guarani, e por isso precisam se precaver, entendemos perfeitamente a situação. O cacique disse que poderíamos conhecer a aldeia. Mário é irmão do cacique Daniel de Tekoha Ocoy. Antes de deixarmos a aldeia, vimos o desenho de um grande rosto na parede, é a morada de Julinho Alves Nhemboatevy, ele mesmo o havia feito inspirado em um personagem de um desenho animado japones, nos pareceu quase um auto-retrato.
Na volta para o centro de Diamante D’oeste passamos na chácara de Hélio, um geógrafo que tem o costume de criar cobras cascavel, Hélio não estava, mas fomos recebidos por Mario (outro Mário) que vive na chácara. Nos mostrou as criação de cobras e ratos.
Na cidade nos despedimos de Leomar, agora nosso objetivo era uma carona para Santa Helena, uma vez que o ônibus partiria somente às 19h40. Diamante D’Oeste é uma cidade realmente calma, sem carona retornamos à rádio conhecer Nésio, um ex-bailarino que organiza as atividades culturais da cidade e trabalha como comunicador. Comentou sobre o episódio que ocorreu no Paraguai tempos atrás, quando um fazendeiro em seu avião despejou veneno nos campesinos que ocuparam algumas terras. A crueldade está presente, lembrou que os venenos agrícolas tem sua origem nas guerras químicas.
Enquanto esperávamos o ônibus, batemos papo com alguns motoristas, falou-se da importância de se ter educação e de episódios de gente que se deu mal por não fazer uso dela. Certo tempo depois o ônibus chegou. No caminho a Santa Helena um fim de tarde esplendoroso.
Conteúdo originalmente publicado em 13/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura