Nos encontramos com Ana, que trouxe uma sacola cheia de personagens lendários de Guaíra, pequenos bonecos criados com palha de milho. Na medida em que os colocava sobre a mesa, contava da ocupação da região, ou melhor, dos trânsitos dos povos e das cidades. Guaíra, por sua localização estratégica, sempre foi lugar de passagem, a metade do caminho do Peabiru. Já a histórica Vila Rica, construída pelos jesuítas a muito tempo atrás, foi várias vezes destruída pelos bandeirantes ou opositores. Cidade nômade, passou por 7 lugares diferentes até chegar no Paraguai. Outro personagem é Aleixo Garcia, o primeiro homem branco a passar por ali, tempos depois devorado lá por Assunção. Ana contou sobre o curioso “fofoqueiro” guarani, importante membro da aldeia, sua função era informar, deixava pelos caminhos pequenos objetos, símbolos compreendidos pelos vários habitantes do território guarani.
Sobre as submersas 7 quedas, comentou sobre o som, para os Guarani simbolizava a voz de Tupã – com o surgimento do lago seu deus se foi. O ressentimento pela transformação da natureza pela mão do homem desestrutura os moradores de Guaíra.
Pela tarde visitamos o “escritório” de Frei Pacífico. Artista e ambientalista da região. Sozinho reflorestou um ilha inteira em 14 anos. Também um estudioso da região, seu trabalho com cerâmica é todo baseado na cultura guarani. Tem uma vasta produção em entalhe e escultura. Com um português truncado, viveu muitos anos na Europa, fala muito sobre espiritualidade e da simplicidade do gostar, explicou minuciosamente a simbologia de seus trabalhos. Suely, a esposa, refrescou-nos com um suco de abacaxi da sua horta.
Ainda transitamos pelo jardim com muitas espécies de vegetais. Frei Pacífico vive bem com elas. Nos ensinou como semear erva mate, conhecimento já dos tempos dos jesuítas. Pouco mais tarde chegaram Rubens e Ana, nos levaram até Dona Lucila, uma paraguaia conhecida pelas suas histórias e por receber a comunidade com um lanche após as três da tarde – pão caseiro recém retirado do forno, chipas e cozido paraguaio – não cansava de nos incentivar a comer mais uma chipa. Nos contou muitas histórias sobre a padroeira do Paraguai – Virgem de Caacupé. Em uma época a santa sumiu do altar, ficou triste, doze anos depois retornou, agora a santa fica guardada. Quando nos mostrou a estatueta, rimos impressionados, pois se tratava de uma miniatura. Dona Lucila cuida da capela da santa ao lado de sua casa, desejo de sua mãe.
Conhecemos também Bonifácio e Maria, um casal de La Paloma. Bonifácio cantou algumas músicas tradicionais do Paraguai, todas contextualizadas. Maria participa da Associação de Direitos Humanos no Paraguai. Comentou sobre as diferenças de apoio dos governos dos dois países – como aposentadoria, entre outros benefícios para os idosos. Envelhecer no Paraguai é difícil. Veio para o Brasil para um tratamento médico.
Após a chuva nos despedimos.
Conteúdo originalmente publicado em 19/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura