Primer de Marzo – Nueva Esperanza

Cancioneiros de Marangatu, 2010.

Logo pela manhã fomos conversar com Arsênia, professora de muita gente por lá. Nos falou das mudanças na região, do fim das festas, da violência, da falta de oportunidades, da desarticulação coletiva, de terra e propriedade, do assoreamento dos rios. Nos mostrou fotos de suas filhas que moram longe, dos netos, dos bailes em seu salão e de amigos que foram mortos.
Neia e Chico foram nos buscar para cantoria que é transmitida ao vivo todos os domingos na rádio. De moto na estrada vermelha margeada por soja passamos pela Rádio Marangatu que estava fechada, o dono havia sido assassinado a uns seis meses, teve problemas com um funcionário. Nosso destino era um galpão de festas onde acontecia um programa ao vivo da Rádio Líder.
Ao chegarmos ouvimos a voz de Tatu anunciando mais uma música. O programa foi uma ação colaborativa entre ele e os violeiros locais. Fomos convidados a falar sobre nosso trabalho entre uma música e outra. Depois de terminado o programa e de um almoço gaúcho, continuou a cantoria, agora com composições próprias de Orlando e da dupla Nelson e Diamante. O papo que circulava era de que Orlando mudou seu comportamento nos últimos tempos, parece estar apaixonado, mas a conclusão que se chegou foi de que naquelas paragens todo homem tem o coração pequeno.
Entre outras conversas ficou claro que Marangatu é um lugar muito violento, nos últimos meses 7 pessoas próximas de nossos conhecidos foram mortas, em outras conversas chegaram a contar 70.
De lá partimos com Orlando para o Mania Open Show, a casa de bailes, restaurante e hospedaria de Dete. Em pouco tempo chegaram os outros violeiros e continuaram a festa. Saímos de lá no meio da tarde, queríamos chegar em Nueva Esperanza ainda naquele dia, por ser domingo seria difícil encontrar carona. Marangatu vive em certo isolamento, atualmente não há mais ônibus na região.
Na lanchonete do Baiano esperamos por duas horas, quase sem esperanças eis que aparece Luiz para abastecer seu carro na casa em frente onde estávamos. Mais que depressa fomos até ele, que atendeu prontamente nosso pedido pelo preço da gasolina. Por uma estrada de terra esburacada passamos por fazendas de 50 mil hectares de um único dono, por reservas indígenas arrendadas para o plantio de soja e ouvimos a aventura de Luiz no Brasil, quando foi a Porto Alegre assistir o Grêmio Portoalegrense ser rebaixado para a segunda divisão. Duas horas depois estávamos em Nueva Esperanza completamente empoeirados e cansados. Por 30000 guaranis dormimos na primeira hospedagem que encontramos, com direito a trocar o foco do banheiro num exímio exercício acrobático.

Conteúdo originalmente publicado em 24/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

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