Marechal Cândido Rondon – Porto Mendes

Bicho empalhado, 2010.

Pela manhã ao cambiar reais por guaranis encontramos Sérgio, que nos falou sobre uma situação curiosa, segundo ele, a trinta anos atrás, no Paraguai e Argentina a burocracia para colocar uma rádio no ar era muito simples, o que proporcionava uma grande quantidade de emissoras desses países na fronteira, adentrando até Cascavel. De um lado e de outro do Paranasão a cultura desses dois países era ouvida e no Brasil se passava a tomar gosto por elas.
No período da ditadura houve um incentivo do Brasil à abertura de rádios na fronteira, apesar de em outras regiões isso ser extremamente difícil. Se temia o domínio cultural, como estratégia de estabelecer um fronteira cultural muitas rádios brasileiras foram criadas.
No final da tarde chegamos a Porto Mendes, lá não é muito diferente de outras localidades, o esvaziamento populacional depois do alagamento de Itaipu e o abandono do campo por conta da mecanização e dos venenos. Conhecemos Hélcio e Aira, que nos indicaram conhecer algumas pessoas do distrito. Visitamos o museu local, entre muitos objetos antigos e alguns bichos empalhados encontramos uma carroça com grandes rodas no estilo inglês, na etiqueta de identificação estava escrito: doação da família Allica, recordamos do que Ivani havia nos dito um dia antes.
Fomos conversar com Benitez Mengarejo, um dos mais antigos moradores da região, trabalhou no Porto Mendes quando ainda se tranportava erva-mate vinda de Guaíra pela estrada de ferro da Mate Laranjeira, empresa que segundo Benitez escravizava seus trabalhadores.
Sobre a Coluna Prestes, comentou que os revolucionários ficaram nas terras de Allica, comeram seu gado e libertaram muitos colonos que viviam em regime de escravidão. Quando partiram assinaram uma promissória – o governo pagaria a conta. Também estava por lá Edson, filho de Benitez e geógrafo por formação, se interessou pelo assunto e trouxe à tona o conflito de terra entre quilombolas e fazendeiros em Maracajú dos Gaúchos, uma região próxima. Nos aconselhou a manter distância. Para Edson, Porto Mendes se tornou um vilarejo de aposentados.
Tomando um café na padaria conhecemos Nega (bem alemã), soubemos que entre Porto Mendes e Porto Adela no Paraguai há união entre os moradores, se visitam e organizam festas juntos, são amigos.
Ainda visitamos Lauro Spaniol, o fotógrafo das redondezas, quando era amador fotografou a barranca do rio Paraná. É aficcionado por Sucuris. Nos mostrou algumas fotos dos anos 1970, uma delas a carroça inglesa dos Allica.
Já no final do dia estávamos em um bar com muitas fotos de cobras, pescarias e caças. Júlio falou mais sobre as transformações do lugar ao longo dos últimos anos, segundo ele os fazendeiros estragaram Porto Mendes. Combinamos para o dia seguinte uma corrida até Iguiporã.

Conteúdo originalmente publicado em 21/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Guaíra – Marechal Cândido Rondon

Aulas de Alemão em Mal. Cândido Rondon, 2010.

Chegamos a Marechal Cândido Rondon no início da tarde, tentamos contactar as pessoas indicadas por Fernanda, mas por vários motivos não conseguimos. No caminho de volta passamos na Casa do Artesão, uma bela casa em uma grande praça arborizada. Zilá sugeriu para conversarmos com Marly, pois havia vivenciado o período de desapropriação causado pelo lago de Itaipu. No caminho à casa de Marly caiu uma chuva refrescante, entramos num armazém que vendia queijos produzidos na região. Lá conhecemos os Vinceguera, nome que trás a história da saída da europa, a opção por esse nome sucedeu durante a viagem de navio ao Brasil, escapar da guerra foi o modo de vencê-la. Os Vinceguera nos falaram de um tal de Allica, senhor temido na região, jogava seus cobradores rio Paraná abaixo, na época dos mensur. Armínio e Ivani comentaram também sobre os ciclos de exploração da região, a laranja Pepu, a madeira, a hortelã, a erva-mate e agora a soja.
Chegamos à morada de Marly, uma casa de madeira pintada de verde que havia sido transportada de Porto Mendes antes do alagamento, na época foi recorrente o uso de caminhões adaptados para levar casas inteiras de um lugar à outro. De origem alemã, Marly faz questão de assinalar também a presença guarani, uma de suas avós é filha de um alemão e de uma guarani.
Depois de criar suas duas filhas e da morte de seu marido, Marly decidiu fazer faculdade, letras português – alemão, a dois anos se formou. Hoje leciona em escolas públicas e dá aulas particulares de alemão em sua casa.
Nos falou da vida comunitária da colônia à margem do rio Paraná e do isolamento na cidade. Segundo Marly, para os colonos que trabalhavam na lavoura a mudança foi radical e desestruturou famílias inteiras.
Seu avô veio ao Brasil com nove anos, foi o responsável por conservar a língua em sua família, trabalhou como construtor, agricultor, escritor, além de um grande contador de histórias reais. Marly ainda nos mostrou muitas fotos de família e objetos antigos que guarda em sua casa, seu desejo é transformar o lugar em um acervo da família. No grande jardim, havia galinhas, um cachorro e dois loros – um deles falava algumas palavras. Na saída Marly traduziu uma placa alemão disposta no portão: Neue Aussichten – Novo Horizonte. Tivemos uma tarde cheia de lembranças.

Conteúdo originalmente publicado em 20/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Guaíra

Santinha Caacupe, 2010.

Nos encontramos com Ana, que trouxe uma sacola cheia de personagens lendários de Guaíra, pequenos bonecos criados com palha de milho. Na medida em que os colocava sobre a mesa, contava da ocupação da região, ou melhor, dos trânsitos dos povos e das cidades. Guaíra, por sua localização estratégica, sempre foi lugar de passagem, a metade do caminho do Peabiru. Já a histórica Vila Rica, construída pelos jesuítas a muito tempo atrás, foi várias vezes destruída pelos bandeirantes ou opositores. Cidade nômade, passou por 7 lugares diferentes até chegar no Paraguai. Outro personagem é Aleixo Garcia, o primeiro homem branco a passar por ali, tempos depois devorado lá por Assunção. Ana contou sobre o curioso “fofoqueiro” guarani, importante membro da aldeia, sua função era informar, deixava pelos caminhos pequenos objetos, símbolos compreendidos pelos vários habitantes do território guarani.
Sobre as submersas 7 quedas, comentou sobre o som, para os Guarani simbolizava a voz de Tupã – com o surgimento do lago seu deus se foi. O ressentimento pela transformação da natureza pela mão do homem desestrutura os moradores de Guaíra.
Pela tarde visitamos o “escritório” de Frei Pacífico. Artista e ambientalista da região. Sozinho reflorestou um ilha inteira em 14 anos. Também um estudioso da região, seu trabalho com cerâmica é todo baseado na cultura guarani. Tem uma vasta produção em entalhe e escultura. Com um português truncado, viveu muitos anos na Europa, fala muito sobre espiritualidade e da simplicidade do gostar, explicou minuciosamente a simbologia de seus trabalhos. Suely, a esposa, refrescou-nos com um suco de abacaxi da sua horta.
Ainda transitamos pelo jardim com muitas espécies de vegetais. Frei Pacífico vive bem com elas. Nos ensinou como semear erva mate, conhecimento já dos tempos dos jesuítas. Pouco mais tarde chegaram Rubens e Ana, nos levaram até Dona Lucila, uma paraguaia conhecida pelas suas histórias e por receber a comunidade com um lanche após as três da tarde – pão caseiro recém retirado do forno, chipas e cozido paraguaio – não cansava de nos incentivar a comer mais uma chipa. Nos contou muitas histórias sobre a padroeira do Paraguai – Virgem de Caacupé. Em uma época a santa sumiu do altar, ficou triste, doze anos depois retornou, agora a santa fica guardada. Quando nos mostrou a estatueta, rimos impressionados, pois se tratava de uma miniatura. Dona Lucila cuida da capela da santa ao lado de sua casa, desejo de sua mãe.
Conhecemos também Bonifácio e Maria, um casal de La Paloma. Bonifácio cantou algumas músicas tradicionais do Paraguai, todas contextualizadas. Maria participa da Associação de Direitos Humanos no Paraguai. Comentou sobre as diferenças de apoio dos governos dos dois países – como aposentadoria, entre outros benefícios para os idosos. Envelhecer no Paraguai é difícil. Veio para o Brasil para um tratamento médico.
Após a chuva nos despedimos.

Conteúdo originalmente publicado em 19/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Salto del Guairá – Guaíra

Balsa em Salto del Guairá, 2010.

Após um rápido café na bodega, partimos em direção a balsa com destino a Guaíra. A chegada da balsa é marcante pela quantidade de pessoas que circula diariamente entre as duas cidades. Durante a travessia sobre as 7 quedas pudemos perceber a geografia do lugar.
Em solo brasileiro houve parada na receita federal, fiscalização quotidiana, aproveitamos para retirar o visto na Anvisa. Tempo suficiente para que perdêssemos o ônibus que nos levaria até a rodoviária, entre esperar a próxima lotação preferimos caminhar.
Na tarde fomos até a Casa do Artesão, onde conhecemos Margarida, os habitantes de Guaíra sentem a perda das quedas do rio Paraná proporcionadas pela formação do lago de Itaipu.
Tiramos o resto do dia para trabalhar na documentação acumulada nos dias anteriores e baixar um pouco a poeira levantada no rincón paraguaio.

Conteúdo originalmente publicado em 18/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Minga porã – Salto del Guairá

Taxi na fronteira, 2010.

Linda ajuda mútua ou Minga Porã, assim podemos chamar o município mais paraguaio da zona de influeza do lago de Itaipu. Sua história sintetiza a luta do povo para sobreviver a radical mudança cultural que se estabeleceu desde a Revolução Verde.
Pela manhã fomos até Asagrapa, uma associação de agricultores campesinos, onde há também a Associação de Mulheres Campesinas. Encontramos com Anunciación, coordenadora da associação de mulheres. Ela nos recebeu em sua casa e explicou como as mulheres se organizam e participam das decisões. A associação luta por uma vida sustentável, voltada à plantação orgânica, semeada com sementes nativas. Nos ensinou um pouco de guarani. Sua família é uma das pioneiras de Minga Porã. Chegaram a ser presos na ditadura em prol da emancipação político-administrativa da cidade. Tomamos muitos tereres.
Na parte da tarde, na beira da estrada aguardamos por um ônibus que nos levasse até Salto del Guairá. Um táxi comunitário parou, felizmente havia lugar para mais dois. Na região do Alto Paraná as corridas de taxi custam quase o mesmo que as de ônibus, com direito a muita música brega e volume alto. Em cada nova parada muita gente subia ou descia. Cerca de uma hora e meia depois estávamos em Salto del Guairá. Ficamos hospedados numa espelunca chamada Hotel Colônia. No domingo os mais jovens desfilam com suas motos pela avenida principal. Num boteco perto da balsa rolou uma alegre festa paraguaia, com banda, dança e até tucano.

Conteúdo originalmente publicado em 17/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

San Alberto – Minga Porã

Lavagem em San Alberto, 2010.

San Alberto amanheceu nublada, devido ao barro vermelho tem-se um curioso costume de se lavar incessantemente o chão e as calçadas dos estabelecimentos comerciais. Outro costume brasiguaio é tirar os chinelos ao entrar em casa. Os paraguaios vivem bem com a terra. Já havíamos notado que as casas são muito limpas e enceradas.
Em busca de um mapa da região resolvemos entrar na escola, lá conhecemos o diretor. Amancio, um senhor muito educado nos contou sobre a história do lugar, sobre a hibridização das culturas, a influência do lago de Itaipu, de sua pesquisa sobre questões culturais e ambientais da região de San Alberto. Conhecemos também parte de sua família – Beatriz e Gracinda. Gracinda é brasileira, Beatriz é paraguaia. Falam muito bem os três idiomas, Amancio e Gracinda conversam em guarani, Beatriz prefere falar com o pai em castellano, mas entre elas a comunicação acontece em português.
No farto almoço, acompanhado de um bom vinho argentino, tivemos uma bela salada de idiomas.
Amancio nos ofereceu uma carona até Minga Porã em seu carro importado, diz ele que a irmã de Gracinda trouxe-o da Alemanha, a documentação menciona ter pertencido a Michael Schumacher, uma aventura em um BMW levemente alterado ao estilo paraguaio.
Minga Porã é o único município da região onde não há tantos brasileiros, isso aconteceu porque a origem do município se deu pela luta campesina no início dos anos 80. Uma cidade que apesar de nova, possui características culturais peculiares. Lá encontramos muita gente jogando volêi ou uma espécie de futvolêi nas praças e quintais das casas.
Amancio nos deixou no Restaurante e Dormitório La Delicia com Elisabete, que embora estivesse de saída nos deu várias dicas sobre o lugar. Ainda fomos ao mercado, e fizemos mais uma cópia do caderno de viagem, também ao estilo paraguaio. Notamos que não há variedade de alimentos e há um desequilíbrio entre o custo de uma hospedagem ou da lavagem de roupas em comparação aos alimentos, proporcionalmente muito mais caros.
Na fotocopiadora Vicentin nos disse para procurarmos a associação Asagrapa, pois lá encontraríamos pessoas da cidade que poderiam falar com propriedade sobre Minga Porã.

Conteúdo originalmente publicado em 16/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

General Dias – Mbacarayu – San Alberto

Interior da casa do Lourival, 2010.

Conhecemos melhor o cotidiano de Lourival, nos convidou para entrar em sua casa, chão encerado, cortinas nas portas, bordados e crochês na lavanderia, um belo rincón para quem vive sob a poeira vermelha levantada pelos caminhões na estrada de chão. Ainda pela parte da manhã fomos até o negócio de seu irmão Américo, sua esposa era uma das pioneiras do lugar. Ambos comentaram sobre as dificuldades de viver no local, o analfabetismo, o passado: “General Dias era tudo mato”.
Mais uma carona, agora o destino foi Mbaracayu. Pedro trabalhava transportando verduras para os mercados da região, sua van estava totalmente depenada, estética comum no Paraguai.
Já em Mbacarayu conhecemos o fazendeiro Mário e seus filhos Ademir e Walmor. Mário era um grande proprietário de terras da região, açougueiro e também dono do mercado. Contou sobre sua vinda do interior do Paraná àquelas terras, da perda dos primeiros 70 hectares que comprou com sua família – a colonizadora vendeu o que não lhe pertencia – de todo o trabalho que teve para criar os quatro filhos, do sonho da mecanização e da realização financeira (sempre gostou de números), do fim da agricultura de subsistência, do isolamento em relação aos paraguaios e do abandono – somente no último mês quatro famílias haviam partido de Mbaracayu.
Carona de moto até o posto tentar uma refeição, mas em Mbaracayu encontrar um lugar para almoço não é tão simples.
Aguardamos até o início da tarde para visitar a Casa de Cultura, lá conhecemos Nidia e seu filho, uma das poucas paraguaias do lugar. Com seu temperamento calmo nos mostrou alguns livros de estatísticas e de poesias em guarani, coisa rara em meio aos poucos livros em português da estante. Nos falou sobre a morte de sua mãe e de seu retorno à Mbaracayu para ficar perto do pai. Mbaracayu é um lugar calmo.
Retornamos ao mercado, Walmor e Mário nos deram uma carona até San Alberto. No caminho perguntamos sobre o uso de agrotóxicos nas plantações, não são contra, os técnicos das empresas químicas os ensinaram o correto modo de uso. Quanto a contaminação da água pelo veneno, disseram que é tudo bobagem dita por gente que não entende das coisas, o que polui a água é o esgoto que vem de São Paulo.
Terminamos nosso dia em San Alberto, cidade Brasiguaia e colorada. Ainda deu tempo para deixarmos nossas roupas sujas numa lavanderia algumas quadras do hotel.

Conteúdo originalmente publicado em 15/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Santa Helena – Puerto Indio – General Días

Puerto Indio, 2010.

Partimos cedo do Hotel Webber, na casa de câmbio Gustavo passou algumas informações sobre o outro lado da margem. Nego, um descendente de italianos, nos conduziu até o porto de Santa Helena, lá passamos pelo procedimento padrão da polícia e receita federal. Minutos depois estavamos em cima da balsa “Oro y Plata” a caminho de Puerto Indio, a bordo mais alguns caminhoneiros em busca de milho e soja. Durante a travessia um bosque de árvores mortas, fruto da inundação. Em Puerto Indio fomos recebidos por Steban, Carlos, Francisco e Gustavo. Ahora nosotros hablamos en castellano. Atenciosos, nos informaram como transitar pela região. Depois de uns tantos tereres Francisco, administrador do porto, nos convidou para almoçar com sua família campesina e amigos – Sara, Pedro, Victor e mais uns chicos e niñas. Conhecemos um típico almuerzo paraguayo, mandioca cozida sem sal, ensopado de poroto e carne, a sobremesa foi manga ou melancia.
Sara é estudante de engenharia ambiental e gosta de cartografia, utiliza esse tipo de representação para visualizar e denunciar problemas ambientais como a diminuição de nascentes d’água, áreas florestais e o crescimento da monocultura no Paraguay. Pedro luta por se manter no campo, para ele terra não é mercadoria, é contra o uso de agrotóxicos e a monocultura, se vê ilhado pela vastidão de soja trangênica ao redor do assentamento. Victor estava quebrando o piso do galpão a duras marteladas, preparava o espaço para receber uma ordenhadora. Havia estudado plantas medicinais, o que ajuda em muito a comunidade, pois não há atendimento médico fácil na região. O local pertence a associação de campesinos e lá funciona uma rádio. Gustavo e Francisco voltaram ao porto, nós preferimos ficar, pois a conversa estava boa. Algumas horas depois Gustavo retorna, precisava comprar gelo e buscar a pelota, chuteiras e o uniforme do time em que joga. Na região há um campeonado onde participam nove equipes locais, no último ano o time de Gustavo foi campeão, o Shealsea de Puerto Indio. Nos levou de volta ao porto onde esperamos por uma carona, precisávamos chegar até General Días, lá teríamos onde dormir. João nos levou em seu caminhão da década de 1970, atravessa frequentemente a fronteira em busca de grãos. Nas duas margens da estrada uma imensidão de soja, vez ou outra avistamos algum cilo, uma paisagem que chega a entediar.
Em General Días chegamos à lanchonete do Lourival, com a voz mais mansa do mundo e em português Lourival nos encaminhou ao nosso quarto, número 3. Ainda no final do dia demos uma pequena volta pelas ruas da comunidade de aproximadamente 600 habitantes, quase todos brasileiros.

Conteúdo originalmente publicado em 14/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Santa Helena – Diamante do Oeste – Tekoha Añetete

Radialista Elisangela, 2010.

Era cedo, acertamos a hospedagem do Hotel Webber, cambiamos mais uma quantia com Gustavo. Nego, um taxista de Santa Helena nos conduziu até o porto da cidade.
No porto, na passagem pela polícia e receita federal, nos aconselharam a ter cuidado no outro lado da fronteira. Descemos a rua de barro e pedras irregulares, no final desta alguns caminhões e uma balsa com homens trabalhando. Nos avisaram que a travessia partiria somente às 14 horas – eram pouco mais de 10. Mudança de planos, a travessia ficaria para o próximo dia, fomos para Diamante D’oeste, na intenção de visitar a aldeia guarani Tekoha Añetete que Amarilla e Juca haviam mencionado, e também porque havíamos recebido por email um comunicado sobre um encontro dos povos guarani neste dia, para organizar um grande evento previsto para início de fevereiro de 2010. A produção desse encontro é organizada pelos próprios guarani e prevê a presença de mais de mil pessoas de várias aldeias da américa do sul.
Do porto até a estrada voltamos caminhando, um trecho de aproximadamente 4 kilômetros. Na busca por informação sobre uma parada de ônibus conhecemos Cândida, uma senhora cheia de histórias tristes sobre terras, grilagens, mortes e solidão. Seu desejo era vender tudo e ir para outro lugar, precisava se operar. O conflito por causa de terras é marcante no Oeste do Paraná. Andamos pouco mais de um kilometro e chegamos a um posto na beira da estrada, lá conhecemos Djane, Marcelo e seu pai. Nos ajudaram com informações de horários de ônibus e contatos de Diamante D’oeste. Macelo pouco circula por, o comércio prende os comerciantes em seu local de trabalho.
Na parada de ônibus conhecemos José, mineiro de 65 anos, atualmente agricultor, mas já havia feito de tudo, inclusive trabalhado como barrageiro em Itaipu. Mora em Vila Bonita, veio para o sul “caçar miora”. Recordou de Itaipu, os movimentos corporais necessários para que os barrageiros não se acidentassem no momento em que os caminhões despejavam concreto na construção, um movimento semelhante a dança da chuva. “Morreu muita gente naquele lugar” afirma José, sua feição declara uma memória viva – “Ser barrageiro é muito perigoso”.
Já em Diamante D’Oeste, a prefeitura estava fechada, Neli disse que uma carona até a aldeia seria possível, mas todos estavam almoçando. Decidimos almoçar também, andamos duas quadras em busca de um restaurante, nesse ínterim passamos por um espaço cultural onde funcionava uma rádio comunitária e um laboratório de informática recém montado pelo Gesac. Na Rádio Cidade Alta conhecemos Elisangela, de 17 anos, desde os 12 como locutora, com incentivo de seu tio Nésio, um dos idealizadores da rádio. Para Elisangela seu momento mais triste foi a despedida da rádio, iria morar em outra cidade, tempos depois retornou para Diamante e para a rádio. Na prefeitura, conhecemos Leomar, que nos levaria até a aldeia Tekoha Añetete, 12 km da cidade. Leomar trabalha na prefeitura e é estudante de história, antes disso havia trabalhado como caminhoneiro, assim pode conhecer muitos lugares que nunca havia imaginado. A paisagem de Diamante D’Oeste difere muito dos municípios e comunidade que visitamos nos dias anteriores. Leomar conhecia cada canto.
Na aldeia, entramos na escola Kuaa m’boe (Saber ensinar). Uma grande roda com vários caciques e alguns membros de instituições como Itaipu, Funasa, prefeitura… Como é de costume nas aldeias pedimos autorização a o cacique, para que pudéssemos acompanhar a reunião, mas infelizmente Mário nos disse que se tratava de uma reunião fechada aos organizadores, a justificativa foi a de que existem grupos que são contra a organização dos guarani, e por isso precisam se precaver, entendemos perfeitamente a situação. O cacique disse que poderíamos conhecer a aldeia. Mário é irmão do cacique Daniel de Tekoha Ocoy. Antes de deixarmos a aldeia, vimos o desenho de um grande rosto na parede, é a morada de Julinho Alves Nhemboatevy, ele mesmo o havia feito inspirado em um personagem de um desenho animado japones, nos pareceu quase um auto-retrato.
Na volta para o centro de Diamante D’oeste passamos na chácara de Hélio, um geógrafo que tem o costume de criar cobras cascavel, Hélio não estava, mas fomos recebidos por Mario (outro Mário) que vive na chácara. Nos mostrou as criação de cobras e ratos.
Na cidade nos despedimos de Leomar, agora nosso objetivo era uma carona para Santa Helena, uma vez que o ônibus partiria somente às 19h40. Diamante D’Oeste é uma cidade realmente calma, sem carona retornamos à rádio conhecer Nésio, um ex-bailarino que organiza as atividades culturais da cidade e trabalha como comunicador. Comentou sobre o episódio que ocorreu no Paraguai tempos atrás, quando um fazendeiro em seu avião despejou veneno nos campesinos que ocuparam algumas terras. A crueldade está presente, lembrou que os venenos agrícolas tem sua origem nas guerras químicas.
Enquanto esperávamos o ônibus, batemos papo com alguns motoristas, falou-se da importância de se ter educação e de episódios de gente que se deu mal por não fazer uso dela. Certo tempo depois o ônibus chegou. No caminho a Santa Helena um fim de tarde esplendoroso.

Conteúdo originalmente publicado em 13/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Santa Helena – chiru meu amigo

Quadro de doenças, 2010

Acordamos cedo, imprimimos a nova versão do Caderno de Viagem, fomos ao posto de saúde, cambiamos reais por guaranis e ainda trocamos de hospedaria, tudo isso antes do meio dia.
Na casa de câmbio, Gustavo desenha num pedaço de papel a travessia de balsa até Porto Índio e Sangafunda, localizados no Paraguai. Seu pai vive por lá. Olhando o mapa e compreendendo as rotas podemos descrever um oito, como o infinito.
Após o almoço, retratamos alguns ciclistas da cidade.
Sandra, muito atenciosa, nos recebeu no escritório de seu marido. Trabalha no fomento ao turi$mo, preparou uma sacola com muitos folhetos e jornais sobre os municípios da costa oeste. Falou sobre pessoas e lugares. Detalhes sobre a Coluna Prestes, opiniões sobre a Ponte Queimada. Se colocou a disposição.
Tarde chuvosa, permanecemos debaixo de um toldo retratando situações molhadas. Andamos até o porto, nos informamos dos procedimentos sobre a travessia.
Retornamos a cidade. Na biblioteca Mário nos mostrou muitos mapas, caras pintadas de presidentes mortos e generais esquecidos.

Conteúdo originalmente publicado em 12/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura