Santa Helena

Praia artificial, 2010

O dia inicia com um infame episódio entre um senhor bêbado e um rapaz. Algo que passou bem percebido por muitos e evidentemente, pelas câmeras.
Cladir comenta sobre a mudança de clima, das perdas de terras e que seu pai decepcionou-se. Segundo ela, os royalties beneficiam pouco a população. Em sua sala muitos mapas e alfinetes coloridos.
Na Padaria Progresso, infelizmente provamos um dos piores sanduíches do percurso. Natan chegou apressado, viagem marcada para o dia seguinte e portanto muitas coisas a fazer, ainda assim conversamos por um bom tempo. Segundo ele Santa Helena é carente de registros históricos sobre as mudanças que ocorreram nos últimos 30 anos. A memória, viva naqueles que ficaram na cidade depois do lago, tende ao esquecimento. Falta o debate ou reflexão coletiva sobre as transformações, prevalece somente o relato oficial dos fatos históricos. Hoje o lugar tem pouco mais de um terço da população que tinha no início dos anos 80, findou-se qualquer tradição possível e os elos com o passado foram perdidos. Como exemplo cita uma cidade cujo nome é Santa Helena, com padroeiro Santo Antônio, seu monumento é um Cristo, calçadas em petit-pavê como a capital, importa modelos urbanísticos ingleses e italianos e sua comida “típica” é o costelão. Uma das diversões da cidade é o trenzinho, que apita pra lá e pra cá.
Fala da desarticulação, assim a necessidades e dependência, da simulação de grupos organizados, do vale tudo pela perpetuação do poder, da rotação pelos partidos políticos, da depressão, ressentimento e solidão, da luta do negro, da coluna prestes.
Há muitos ciclistas, mas não se tem o hábito de emprestar ou alugar bicicletas em Santa Helena.
Há também uma praia artificial, onde as pessoas tentam se divertir.
No final do dia conhecemos os dormitórios de Sidinei, que nos apresentou Gaúcho. Comentaram sobre o porto, o outro lado da margem e a cidade velha.

Conteúdo originalmente publicado em 11/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Itaipulandia – Missal – Santa Helena

Plantação tratada com agrotóxicos. 2010.

Passamos a régua no Hotel e Churrascaria Münch. Enquanto aguardávamos o ônibus para Missal iniciamos uma conversa com Ella, de 75 anos, matriarca da família Münch. Sua história começou na fuga dos alemães da Rússia, deixando para trás os pertences e até os bebês no berço. Quem conseguiu entrar no trem fugiu, outra forma de fuga foi enfrentar a neve numa travessia de trenó por rios congelados, uma outra fronteira. Nos navios que saíram da Europa lotados de gente outros tantos ficaram pelo caminho. Destinos variados, parentes espalhados pelo mundo – Canadá, Estados Unidos, Argentina, Brasil, Uruguai, entre outros lugares que abrigaram os refugiados de guerra, teve até gente que nasceu na China.
Ella nasceu no Brasil, abrindo clareiras na mata intacta, viveu também no Paraguai, uma de suas frases “Vocês não acreditam, bem interessante a vida da gente.” – Gosta de Itaipulândia.
Em Missal encontramos Ivo, o Preto. Segundo ele, no início da cidade, para entrar na Gleba dos Bispos tinha que ser alemão e católico, coisa que não deu muito certo porque já havia italianos por lá, também os nortistas. Ivo tem um restaurante onde trabalha com mais dois filhos, Ademir e Betão. Possuem um mural de fotos de pescaria. Ademir lembra de uma das vilas alagadas já deserta, como se nada tivesse vivido por ali um dia, viu quando criança a água subindo e sepultando tudo. Betão, voluntário da rádio comunitária da cidade com boletins de esporte, nos levou até Gisela, professora que escreveu um livro sobre a história da região, sobre a presença britânica e a madeira rio abaixo que ajudou na reconstrução da europa pós-guerra, sobre a diminuição drástica da população nos anos de 1980 e claro, sobre a cultura germânica. Missal é um livro de missas.
Para além da igreja uma comemoração – bodas de ouro de algum casal – chopp e dança para toda família e convidados.
Terminamos o dia já em Santa Helena. Lá andamos pela Linha Progresso, pé de butiá e de mexerica na rua de muitas pedras, próximo ao refúgio biológico.

Conteúdo originalmente publicado em 10/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Itaipulandia

A arte de Geladinho. 2010.

Descemos a avenida principal com destino ao centro de Itaipulândia, poucas quadras e nos deparamos com uma casa ornamentada com garrafas pet. Um letreiro menciona que por lá está proibida a caça, quem assina se denomina empresário Geladinho. Ainda era cedo e por ser cedo a casa estava fechada, decidimos retornar mais tarde e conhecer seu habitante. Na loja de roupas
nos disseram que Maximiliano, vulgo Geladinho, é o morador da casa fantástica. Com a dengue e a insensibilidade de algumas pessoas resta pouco dos ornamentos de tempos atrás. Batemos palmas, um grande homem nos atendeu. Maximiliano fala de amor, da beleza feminina, de música, de infância, do poder político. Entre suas invenções estão: Brizola morto-vivo, aviões da Tam, Teixerinha, a santa de sutiã, o pescador. Nos convida para entrar, nas paredes de sua casa pinturas e objetos curiosos, dentre eles muitas garrafas de refrigerante, todas por ele consumidas. Pegou seu violão de embalagem tipo bombona e cantou algumas canções italianas de sua autoria. Geladinho vive sozinho e a danada solidão faz com que vá na rádio da cidade em busca de uma nova companheira. Gorda ou magra, tem que ser parelha. Quem sabe um dia Geladinho.
A vizinha, outra artista da cidade, Zulmira. Sua voz calma nos entreteve durante tempo. Seu desejo é deixar Itaipulândia, pelas pressões políticas no município sente que chegou a um limite. De repente Jaraguá do Sul possa ser um bom lugar para recomeçar. Mudança de lugar, mudança de ramo, do atelier de artes para as terapias.
Zulmira fala de amor, de memória celular, de transposições dimensionais, de vítimas e agressores, de pertencimento e exclusão, do poder político. Viaja sempre para Curitiba. Filosofia e espiritualidade. A lei do amor trata da ordem, do pertencimento, da compensação. Tudo é um grande amor. Ainda se interessa por mandalas, formas circulares presentes em desenhos desde a infância.
No mirante Nossa Senhora Aparecida, em homenagem a Aparecidinha D’oeste. Monumentos são comuns em toda região lindeira. Terras e águas em vista. Sr. Chico comenta sobre os tempos da desapropriação, em plena ditadura seus pais bravamente protestaram na beira da estrada, necessitavam de melhores indenizações.
Aguardávamos deitados na grama, quando chega Urbano com as chaves da antiga prefeitura, hoje Casa da Memória. Logo na entrada o boneco equilibrista, brincadeira de sutil movimento. Nos fundos uma oficina com plantas medicinais e ornamentais incomuns para nós. Provamos o cicatrizante natural em nossos cortes e picadas.
Urbano fala com amor sobre restauro, acervo, em como aprender a fazer fazendo. Comenta detalhadamente sobre cada planta, inventa facas. Gosta do que faz.
No mercado queijos e pães caseiros especiais, feitos a décadas pelas mesmas pessoas.
No início da noite chegamos na casa de Rodison. Escreveu um livro sobre a cidade. Fala do alagamento, do antes e do depois, da desarticulação nas indenizações. Do analfabetismo. O papo vai longe.

Conteúdo originalmente publicado em 09/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

São Miguel do Iguaçu – Ipiranga – Itaipulândia

Corujas sobre placa em plantação de soja. 2010

De manhã fomos a cidade, no centro cultural um half pipe que Tião havia ajudado a construir. Na prefeitura conversamos com Leilane e Jane, responsáveis pela questão cultural no município. São Miguel do Iguaçú não tem mais maternidade, em dados oficiais no ano passado ninguém nasceu por lá. Muitas pessoas partem de São Miguel. Mas nas conversas com as pessoas que conhecemos é um ótimo lugar.
Na tarde documentamos as falas de todos da casa onde estávamos, em seguida partimos para Ipiranga.
Saltamos do ônibus em frente ao mercado Weis, deixamos nossas mochilas e fomos à nossa primeira praia da costa oeste. Chalés, acampamento, chafariz, lona para espetáculos, tanque artificial no lago artificial. Avistamos a ponte, antes dela em tempos de chuva o acesso era impedido. Ninguém ia ou vinha.
Em Ipiranga conhecemos Clarindo, pescador. Para ele a pesca não é um ramo de futuro é um ramo de sobrevivência. Ali aprendemos a diferença entre uma associação e uma colônia de pescadores. Esta última denominação foi alcançada por eles no último ano, o que lhes confere o direito a receber um salário por mês durante o período da piracema, do início de novembro ao fim março, além do direito à aposentadoria. Numa associação nada disso é garantido.
Conhecemos também Maria, esposa de Clarindo. Analfabeta por escolha do pai, não conhecia dinheiro. Anos depois, numa urgência, um ferimento em Clarindo que o levou a um hospital em Foz do Iguaçu, ela decidiu aprender a juntar as letras e as palavras. Hoje é tesoureira da Colônia de Pescadores Z 11 de São Miguel do Iguaçu, sabe assinar seu nome. Seu maior prazer é ir para o lago e jogar a rede.
Lanchamos, nesse meio tempo entendemos que a bocha é muito praticada nessa região, farta em campeonatos e campeões. Os descendentes de alemães se concebem construtores desse Brasil fronteiriço.
Partimos para Itaipulândia, Sedenei, o cobrador do ônibus nos contou um pouco sobre a cidade. Lugares, costumes, pessoas. Descemos em frente ao Hotel e Churrascaria Münch no qual pernoitamos.

Conteúdo originalmente publicado em 08/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Tekoha Ocoy – São Miguel do Iguaçu

Cartografia Awa Guarani I, 2010.

Fátima nos leva até Sadi, pescador da região, antes disso foi agricultor e comerciante. Quando chegamos estava rodeado por três cães e colhia tomates-cereja, nos recebeu sorrindo. Comentou suas façanhas com peixes como Armado, Pacu, Bagre, Traíra, Curvina, Peixe Cachorro, Cará, Piabuçu, Surubi, Pintado, Tucunaré, Lambari, Tilápia, Palometa, Perna de Moça… Parece que algumas espécies tem reaparecido nos últimos tempos. Conhecemos algo de como a pesca acontece pela região. Em meio ao riso jurou sobre a veracidade de suas histórias, apesar de pescador.
Ainda fomos na casa de Arlindo, encontramos Maria Rosa, que apesar de viver a anos na região preferiu que voltássemos mais tarde para conversar com seu marido. Comentou que Arlindo saberia contar melhor sobre os acontecimentos da região.
Na tarde fomos com Tião, Fátima e Monique fomos à aldeia avá-guarani Tekoha Ocoy (Onde há cultura), localizada no distrito Santa Rosa do Ocoy, colônia de alemães – No posto de saúde um mapa desenhado em lápis de cor representava a mata e as suas moradas. Fomos recebidos pelo cacique Daniel que respondeu serenamente nossas perguntas. Para o cacique a cultura e a língua de um povo são suas maiores riquezas e por isso devem ser honradas, no entanto hoje dão prioridade para o ensino da língua portuguesa para depois aprenderem a escrita do Guarani. Com respeito ao alimento os guaranis socializam, o que um planta é compartilhado com os demais. Com o surgimento do lago visitar parentes e amigos do outro lado da margem ficou difícil, os encontros agora são esporádicos. Para ser cacique não há candidatura, a maioria decide que vai ser o cacique, se cumprir bem seu papel permanece cacique por tempo indeterminado, do contrário outra reunião é realizada com a finalidade de eleger outro cacique. A pessoa escolhida não recusa o cargo.
Ainda na aldeia conhecemos também Marcos, que nos levou até o bosque onde os avá-guarani pescam e descansam, nos mostrou algo do artesanato feito por eles, Fátima foi presenteada com uma tocha de taquara trançada com corda. A história dos Avá-guarani é sofrida, no momento passam por um surto de malária.

Cartografia Awa Guarani II, 2010.

Passar pela estrada da aldeia é bem peculiar, pois do lado esquerdo temos a mata, lugar que os Guarani vivem e preservam, já do lado direito a paisagem é a típica da região, o cultivo de soja, nesse caso realizado pelos alemães. Os alemães de Santa Rosa do Ocoy também preservam sua língua e seus costumes. O alemão é a língua corrente do distrito. Estar nessa estrada foi mesmo curioso – a hibridização das culturas indígena e colonial no Brasil contemporâneo da monocultura.
Tião ainda nos levou a diversos distritos da região de São Miguel, ora colônia de alemães, ora de italianos. Em recanto a imagem do Cristo que piscava. Debaixo das torres, ouvimos o som da energia.

Conteúdo originalmente publicado em 07/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Foz do Iguaçu – São Miguel do Iguaçu

Torres de Acaray, 2010.

Conseguimos uma boa impressão do Caderno de Viagem. Combinamos com Kyara de deixar um deles na academia de ginástica, onde estava trabalhando em um projeto de paisagismo. Sol presente, um dos dias mais quentes em Foz do Iguaçu.
Fomos a Itaipu e novamente desistimos do passeio.
Fotografar as torres da rede de energia de Acaray era um desejo de dias atrás.
Logo após, voltamos a Vila B, onde paramos em uma mercearia sedentos por um copo d’água. Conhecemos Zulmira, que nos contou sobre sua vida na vila. Seu pai de 80 anos não passa bem, “brincandeira de criança” – whisky com energético seguido de queda em frente de casa, do impacto na calçada os hematomas, o que impediu de continuar com seus afazeres de apicultor. Zulmira contou de seu antigo trabalho como vendedora de roupas pelos mercados da região lindeira, sua irmã a acompanhava, muitos deslocamentos tempos atrás, agora uma mercearia para tocar. Apesar da violência hoje não sai de lá por nada, gosta de onde vive. Mulher de trabalho, fez até um cartaz a mão, que marcava a hora do expediente, 8h00 às 12h00/14h00 às 21h00, isso por causa dos aposentados que tem por hábito jogar no final da tarde em uma mesa com tecido verde, em certos dias a jogatina se prolonga até muitas horas da madrugada e tudo tem limite.
Já na casa de Juca, Dona Maria comenta sobre a temperatura na marca dos 47 graus. Horas papeando com Seu Zé, dicas de como acabar com as pragas da horta, esmiuçou cada planta – os chás medicinais. Gosta mesmo é de viver para roça.
Chega Teresa, Moa, Juca.
Enquanto partiríamos ainda neste dia para São Miguel do Iguaçu, Moa iria para Assunção – seu destino é um salgado deserto da Bolívia. Xô urucubaca.
Papo na beira do ponto – o ônibus quebrou ainda em São Miguel, uma hora de atraso. Esperamos.
Passados dez da noite, chegamos em São Miguel, Mônica e Carlos nos buscaram. Conhecemos também Tião, Fátima e Monique. A conversa avançou noite adentro acompanhada da janta. A família de Moa é humilde e simpática, por pouco não dormimos juntos.

Conteúdo originalmente publicado em 06/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Foz do Iguaçu – Ciudad del Este

Mural de escola em Foz do Iguaçu. 2010

Pela manhã permanecemos no hotel, ajustes para mais uma versão do caderno de viagem. Não pudemos nos encontrar com a Kyara conforme combinado, os horários não bateram, as impressões do caderno se prolongaram.
Fila no banco, em seguida fomos até a Foztrans, na intenção de obter um mapa detalhado da costa oeste. Matilde, uma senhora atenciosa, nos ajudou entrando em contato com a sede da instituição, papo com Priscila por telefone. Minutos depois já estávamos em contato com algumas pessoas de Itaipu, extenuante tentativa, mas nada de mapas. Somente se nos submetêssemos a burocracia institucional. Itaipu necessita de justificativas para acesso ao geoprocessamento, as instâncias públicas nem sempre compartilham.
O próximo encontro seria em Ciudad del Este, com intuito de adquirir alguns equipamentos (memórias, baterias, carregador, gravador), para as próximas documentações. Engarrafamento na ponte da amizade, cotidiano do lugar.
Já em um peculiar Paraguai, conversas pelas ruas, várias línguas e dialetos: Portunhol, Guaranhol, Chinari, Arabenhol, entre outras irreconhecíveis. Surpreendente hibridização própria dessa fronteira.
Lojas e lojas, vendedores, balconistas, camelôs, em um ambiente pra lá de orgânico. Na loja de armas e munições, uma pessoa não compreendeu meu portunhol, o objetivo era uma lanterna. Mais um comércio na zona de livre comércio.
Na saida de uma loja reservada, a qual entramos por pura curiosidade, o detector de metais apitou, um segurança solicitou que abríssemos nossa mochila.
Na volta, recém passada a ponte e enquanto passageiros de ônibus, nossa mochila foi revistada pela segunda vez, agora por um fiscal da receita. Tudo certo, rapidamente fomos liberados.
De volta em foz, algumas ligações, Fernanda nos enviaria um mapa da região. No café, entramos em contato com Amarilla, conhecido e conhecedor da região – combinamos um encontro a noite.
A conversa com Amarilla levou dois pares de horas. Sua história, com pitadas de antropologia e indigenismo em fino humor. Muitas histórias contadas, a partir da chegada de seus familiares na região do que hoje é Ciudad del Este. Fizera a pouco tempo atrás uma deriva pelo extremo sul do Paraguai, recôndito lugar, onde vivem pessoas que não conhecem Coca-Cola ou abridor de latas. Muitos Paraguais por conhecer. Muitos Guaranis por conhecer, uma das aldeias: Tekoha Añetete (Moradia de verdade).
Nos presenteou com uma revista paraguaia, na qual é colaborador. Sacou de sua bolsa alguns textos seus, escritos em letra corrida. Em uma pequena câmera, mostrou fotos e vídeos dos documentaristas japoneses – rituais guaranis apresentados ao oriente.

Conteúdo originalmente publicado em 05/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Foz do Iguaçu – História comum

Caminho de soja. 2010

Encontramos Medina, Kyara e Sami no restaurante. Quando conhecemos Medina a um ano atrás havia recém chegado em Foz do Iguaçu, agora recém partido, estava morando em São Paulo, apenas retornara ao calor dessa cidade para ministrar um curso por uma semana.
Kyara nos contou brevemente sobre seu nome – Maykyara – uma história incomum nos livros e de muito antes desse lugar ser Brasil, Paraguai ou Argentina. Alguém no Paraguai também conhecia essa história e confirmou o que para ela até então era uma dúvida.
Mais tarde, mesmo enganado de nome e lugar, foi a vez de conhecermos Moa, que relatou suas atividades com o teatro em Foz do Iguaçu e municípios Lindeiros.
Com todo seu humor duas falas sobre o outro lado da margem:
Eles são mais do que Brasileiros (são Paraguaios).
O melhor do Paraguai é o Paraguaio.
Conhecemos também Fernanda, Ademir e sua filha Júlia. Fernanda contou sobre várias pessoas que desenvolvem trabalhos pela região e que poderíamos trocar idéias, nos deixou vários contatos. Uma rede que estamos conhecendo.

Conteúdo originalmente publicado em 04/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Foz do Iguaçu – Vila C

Aguirras e sua esposa, pioneiros moradores da Vila C. 2010

Após o almoço híbrido de pratos japoneses, brasileiros e árabes perguntamos a um casal sobre as ocupações nas margens do rio, disseram que os moradores já haviam sido realocados da favela da marinha e não nos aconselharam ir até o local devido aos contrabandistas. Percorremos então o caminho até o terminal pelas ruas próximas ao rio Paraná.
Do terminal fomos até a Vila “C”, criada no tempo das construções de Itaipu para abrigar os “peões” – ou seja, pessoas que pegavam no pesado para levantar a usina.
Vila “C” é um dos bairros mais distantes do centro de Foz do Iguaçu e o mais próximo da Hidrelétrica. Adentrando o bairro, logo observamos a arquitetura peculiar das residências padronizadas, com estrutura do telhado em forma abaulada, como galpões. Em sua origem, uma mesma construção dividia-se em vários lotes e abrigava até quatro famílias. Pouco a pouco estas construções se singularizam pelas ocupações e suas histórias.
Descemos do ônibus com sede, uma quadra depois localizamos um negócio aberto. Logo percebemos que as pessoas que ali estavam poderiam contar histórias sobre o lugar. Tekão, Juca, Gealmir, Aguirras e sua esposa, moradores desde a década de 70. Foram quatro horas ouvindo suas histórias. Algumas delas documentadas em vídeo.
A infância, o banho em água dourada e o caminhão pipa. As transformações do lugar – ‘Foz do Iguaçu não era nada’ – construção de Itaipu, o caminhão ‘pega-corno’ trazendo pessoas de todos os lugares do Brasil. A valeta de 5 metros de profundidade – controle da vila. A façanha da colheita de alface e o caminho para casa. As canções, mágicas e murais – Roberto Carlos é loiro. A receita de sabão que a vila inteira produz e dá uma coceira. A colher gigante entalhada em Caqui Chocolate (a melhor para fazer sabão), a intoxicação nas plantações do Paraguai – 8% de vida, entre muitas outras…
Na volta passamos pela monumentalidade das muitas torres de alta tensão que partem da usina com destino aos grandes centros urbanos do Brasil, distantes da Vila “C”, que por incrível que pareça é alimentada por uma rede de energia paraguaia, dizem, a energia mais cara do Brasil.

Conteúdo originalmente publicado em 03/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Foz do Iguaçu – Cataratas

Diário de viagem em porta de guarda-roupa. 2010

Chegamos em Foz do Iguaçu as 1h25 da madrugada após sobrevoarmos quase toda extensão do Paraná sob lua cheia, fato que proporcionou bonita paisagem. Sobre o lago artificial de Itaipu percebemos a dimensão noturna do monumento.
No aeroporto nos encontramos com Juca, junto a ele um casal de Palotina – um amigo de infância acompanhado pela namorada. Ele nos levou até sua casa, onde conversamos até algumas horas da madrugada a respeito das nossas intenções de deriva, políticas públicas culturais, ano novo, contatos, memórias de nosso último encontro…
Ao dormir pensei em voz alta fotografar as camas nas quais dormiríamos ao longo desta viagem…
Pela parte da manhã na horta do quintal Seu Zé comenta sobre o lugar, descreveu um recente episódio de perseguição policial, seu desejo é não estar ali, a cidade é perigosa e bandido não perdoa.
Fomos até Itaipu, uma experiência com o turismo da região. Todas as atividades são pagas, a fila imensa. Escolhemos um passeio pelo interior da usina, até a turbina, o que não aconteceu devido ao fato de não estarmos com os trajes apropriados para o percurso. Integração para o desenvolvimento.
Retornamos ao centro da cidade, na intenção de encontrar um lugar para nos hospedar. Debaixo do sol, após alguns hotéis, chegamos numa pousada, Laura. Conhecemos Luis, um chileno a 12 anos no Brasil. Se identificou com nosso trabalho e mencionou seu desejo em trabalhar com conscientização ambiental – contra o tráfico de animais silvestres, selvagens, assim como instruir as pessoas que se utilizam de animais na zona urbana, cavalos sem ferradura sob o asfalto quente. Comentou do descaso das instituições.
Almoçamos algo que não nos caiu bem.
Decidimos ir então a segunda experiência turística do dia: Cataratas do Iguaçu. Novamente atividades pagas, filas imensas, quatis, muitas poses e registros, cachoeiras, cachoeiras, cachoeiras e a refrescante sensação causada pelas gotículas de água sobre nossos corpos. Uma senhora reconhece a tia numa das reproduções fotográficas das memórias das Cataratas, anos 40.
Retornamos sob sol quente em um percurso demorado, sofrível transe.
Casa de Juca novamente, onde davam início ao filme ‘Em busca da Felicidade’ e rodadas de tomate, queijo e salame argentinos. Entre outros papos a novidade: Teresa vai à China.
Já no hotel San Remo, quarto 401 – o ar condicionado é agora nossa trilha sonora.
Na parte de dentro da porta do guarda-roupas nota-se uma declaração.

Originalmente publicado em 02/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura