Villarrica – Ciudad del Este – Foz do Iguaçu

Tribal, 2010.

Ainda na parte da manhã fomos até o terminal rodoviário com a intenção de mudarmos nossas passagens das 16h00 para às 13h45, pois queríamos atravessar a fronteira ainda na parte do dia. Os últimos momentos em Villarrica se deram por mais uma caminhada pela cidade, onde descansamos numa praça de grandes árvores e muitos pássaros.
O percurso de Villarrica até Ciudad del Este foi um tanto sofrido, num daqueles dias de sol onde é possível fritar ovos no asfalto viajamos em um ônibus apertado, lotado e que a cada minuto parava para subir mais gente. Pelo menos conseguimos chegar em Ciudad del Este. Atravessamos a fronteira papeando com um taxista que nos contou sobre as diferentes etnias do Paraguai e a situação de muitos indígenas que vivem na cidade. Disse que um dos grandes problemas é a falta de conhecimento sobre a cultura indígena, o que gera conflito. Nenhum morador da cidade considera o fato de que a menos de 3 gerações os índios que hoje são pedintes nos terminais rodoviários eram coletores nas vastas matas paraguaias e que a força da tradição e dos costumes não podem ser mudados em tão pouco tempo.
De volta em Foz do Iguaçu demos por finalizado os 30 dias de trânsito à margem do lago.

Conteúdo originalmente publicado em 31/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Asunción – Villarrica

Táxi em Villarrica, 2010.

Partimos de Asunción em direção a antiga Villarrica, lá tivemos a oportunidade de conhecer um Paraguai interiorano, simples de tudo e com ruas cheias de pessoas. Villarrica foi uma das primeiras vilas da América espanhola. Dizem que ela mudou de lugar sete vezes devido a perseguições, principalmente por parte dos bandeirantes.
Neste período a cidade se prepara para as festas pagãs conhecidas no Brasil como Carnaval, na praça encontramos um grupo pintando tambores para apresentação que acontecerá na próxima semana, quando las comparsas tomam as ruas.
Passamos pelo mercado popular, lá observamos a movimentação dos feirantes já no término de mais um dia muito quente.

Conteúdo originalmente publicado em 30/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Asunción – outro dia

Somos todos Fidel, 2010.

Conhecemos Zulma na recém criada Secretaria da Cultura, pacientemente nos explicou sobre algumas ações do governo na respectiva área. Indicou para que fossemos até a Direção de Assuntos Comunitários, lá conhecemos Lea, que nos contou sobre a necessidade de desenvolver ações culturais na área da fronteira com o Brasil.
Na tarde fomos até a casa de Mito Sequera, ao entrar em sua casa conhecemos o cacique Bruno, um educado senhor Chamacoco. Junto com Mito Sequera desenvolveram um dicionário da língua de sua etnia. Mito nos contou sobre seu trabalho voltado a grupos onde a pobreza é uma constante e sua ligação com a antropologia e a música. Trata de estimular os Chamacoco, Mbiá guarani e campesinos no sentido de fortalecer suas próprias culturas, bem como conhecer os códigos da cultura opressora. Nos instigou ao desenvolvimento de projetos de integração entre grupos de pesquisa brasileiros e paraguaios – necessidade na região e dos povos. Nos cedeu dois vídeos seus ligados aos Chamacoco. Nesse dia tivemos sorte na janta, saboreamos uma super ensalada, o papo durou horas até voltarmos caminhando na madrugada pelas calles de Asunción.

Conteúdo originalmente publicado em 29/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Asunción

Demarcação em vermelho, 2010.

Imaginamos buscar algumas referências históricas, artísticas e culturais em Asunción. Primeiramente fomos até as livrarias da Plaza Uruguaya, lá encontramos mapas, dicionários, métodos da língua e textos sobre cultura guarani. Pelas ruas vê-se as jujeras, mulheres que comercializam ervas para o preparo do tererê. A pedidos de Glerm, em um antiquário conseguimos uma pequena nota de um guarani, a com o soldado paraguaio. No Museu de Belas Artes encontramos imagens de um Paraguai amortecido pela crueldade da guerra. No mesmo edifício funciona o acervo histórico de Asunción, onde é possível encontrar documentos originais desde 1534, uma senhora nos explicou os procedimentos para acessar tais documentos, todos disponíveis aos pesquisadores. No El Cabildo, Centro Cultural da República do Paraguai, mais uma sessão de cultura, etnias, músicos, dançarinas, políticos, o acervo de Moisés Bertoni com mapas da região do Rio Paraná, desenhos da fauna e flora, fotos, impressos e mais uma porção de coisas. Bertoni vivenciou a região, sua documentação dá conta de 42 anos de cultura guarani e geografia paraguaia.
Procuramos mal e não demos sorte de encontrar um bom restaurante. Na hospedaria de Angélica gastamos o resto de nosso dia.

Conteúdo originalmente publicado em 28/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Hernandarias – Asunción

Asunción, 2010.

Pela manhã em Hernandarias a luz ainda não havia voltado. Partimos para Asunción, uma das primeiras cidades da américa latina, centro de poder político e onde se concentram os museus e bibliotecas do país. De Hernandarias até Asunción são 340 kilômetros, percorridos em sete horas de viagem – muitas paradas, algumas chipas para matar a fome, revemos toda a série do Idiana Jones e para finalizar uma criatura que cagou no ônibus.
Em Asunción encontramos uma hospedagem barata, limpa e simpática. Uma casa com 100 anos em pleno uso, a madeira do teto intacta. Angelica é sua proprietária.
A presença de imigrantes brasileiros, chineses e coreanos é grande – em janeiro os brasileiros vem fazer mestrado e doutorado, são mais de 3000 estudantes. Nas ruas o guarani predomina e as jujeras – pessoas que vendem ervas preparadas para tererê – estão por todo lugar.

Conteúdo originalmente publicado em 27/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Hernandarias

Ônibus em Hernandarias, 2010.

Hernandarias é a cidade paraguaia onde está Itaipu. Diferente do Brasil a visita as instalações da usina é gratuita, o que nos incentivou a fazer o passeio. Tudo inicia com um vídeo institucional, na versão paraguaia, com o título Itaipú Monumental. Vários superlativos e records enfatizando a grandiosidade do projeto, o avanço tecnológico, a melhoria no nível de vida, o cuidado com a biodiversidade, o prodígio da engenharia, a geração de energia. Logo após seguimos de ônibus. Paramos na margem direita, de lá se avista Ciudad del Este e Foz do Iguaçu lado a lado, entre elas o que restou do rio Paraná. Observamos também algumas comportas do vertedouro abertas, o nível do lago está alto, houve chuva em São Paulo. Aliás, alguns até dizem que o aumento das chuvas em São Paulo é causado pela evaporação do lago de Itaipu. A água percorre uma longa rampa que serve para que o leito do rio não seja destruído por sua força. Algum tempo para fotografar e partimos novamente, agora pelo túnel que liga as duas margens e logo estávamos do lado brasileiro. O retorno foi por cima da barragem, quando então pudemos observar o gigantismo do lago.
Logo na saída de Itaipu vimos algumas barracas de lona na beira da estrada. Fomos ver do que se trata, soubemos que por questões políticas cerca de 200 pessoas foram dispensadas da função que exerciam em Itaipu, principalmente trabalhadores de serviços de limpeza e de segurança, uma delas era Edgar, com 28 anos de trabalho prestado. O acampamento já completara um ano e até o momento nada foi negociado.
Maria, uma das pessoas que estavam por lá, comentou que já viveu no Brasil e em mais alguns países da América do Sul, no exterior quando ouve falar do Paraguai sente-se envergonhada, quando volta sente revolta por perceber que a realidade de seu país não muda.
A noite Miriam nos contou sua história de viver a promessa de progresso. Primeiro na Colônia Presidente Stroessner, onde foi morar com apenas 9 anos, quando seu pai entrou no ramo de hotelaria. Em Hernandarias, no período anterior ao início de Itaipu, se incentivou a construção de hospedarias e hotéis, uma vez que os trabalhadores da usina se concentrariam ali. Não foi bem assim. Pouco depois da finalização da primeira etapa do hotel o Presidente Stroessner ordenou que a base para os trabalhadores fosse transferida para a cidade que levava o seu nome. Mesmo assim ainda havia a promessa da maior usina do mundo. Durante horas conversamos na penumbra, parte da iluminação não funcionava por conta da queda de energia, fato frequente na região. Em Hernandarias poucas pessoas tem acesso a água potável e não há uma serviço de esgoto descente. Um lugar que não deveria ter tantos motivos para ser assim.

Conteúdo originalmente publicado em 26/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Nueva Esperança – Hernandarias – Ciudad del Este – Foz do Iguaçu

Ciudad del Este, 2010.

De Nueva Esperanza partimos para Hernandarias, depois de algumas horas de viagem num taxi coletivo, sempre com 3 pessoas na frente e 4 atrás, sendo que um dos passageiros valia por 2, um sufoco.
No Lion Hotel Itaipu conhecemos Miriam, a proprietária, moradora desde a década de 1970 e bem comunicativa, ela nos deu várias informações sobre a cidade.
Estávamos sem dinheiro e sem cópias do Caderno de Viagem, também tinhamos que solicitar o “permisso” às autoridades, por isso fomos até Foz do Iguaçu e a migração em Ciudad del Este, cerca de 16 kilometros de Hernandarias. No percurso até Foz do Iguaçu pudemos ver pela primeira vez parte da barragem de Itaipu e Acaray, muito próximas uma da outra. Devido ao engarrafamento na ponte da amizade os dezesseis kilometros foram realizados em duas horas.
Na volta perdemos o último ônibus para Ciudad del Este, assim a passos largos atravessamos a Ponte da Amizade pouco antes do anoitecer. Com dinheiro, cópias do cardeno e o “permisso” em mãos retornamos à Hernandarias com o Francisco, taxista de Ciudad del Este. Nos chamou atenção ao acampamento em frente a Itaipu Binacional Paraguaia.
Na calle principal terminamos o dia.

Conteúdo originalmente publicado em 25/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Primer de Marzo – Nueva Esperanza

Cancioneiros de Marangatu, 2010.

Logo pela manhã fomos conversar com Arsênia, professora de muita gente por lá. Nos falou das mudanças na região, do fim das festas, da violência, da falta de oportunidades, da desarticulação coletiva, de terra e propriedade, do assoreamento dos rios. Nos mostrou fotos de suas filhas que moram longe, dos netos, dos bailes em seu salão e de amigos que foram mortos.
Neia e Chico foram nos buscar para cantoria que é transmitida ao vivo todos os domingos na rádio. De moto na estrada vermelha margeada por soja passamos pela Rádio Marangatu que estava fechada, o dono havia sido assassinado a uns seis meses, teve problemas com um funcionário. Nosso destino era um galpão de festas onde acontecia um programa ao vivo da Rádio Líder.
Ao chegarmos ouvimos a voz de Tatu anunciando mais uma música. O programa foi uma ação colaborativa entre ele e os violeiros locais. Fomos convidados a falar sobre nosso trabalho entre uma música e outra. Depois de terminado o programa e de um almoço gaúcho, continuou a cantoria, agora com composições próprias de Orlando e da dupla Nelson e Diamante. O papo que circulava era de que Orlando mudou seu comportamento nos últimos tempos, parece estar apaixonado, mas a conclusão que se chegou foi de que naquelas paragens todo homem tem o coração pequeno.
Entre outras conversas ficou claro que Marangatu é um lugar muito violento, nos últimos meses 7 pessoas próximas de nossos conhecidos foram mortas, em outras conversas chegaram a contar 70.
De lá partimos com Orlando para o Mania Open Show, a casa de bailes, restaurante e hospedaria de Dete. Em pouco tempo chegaram os outros violeiros e continuaram a festa. Saímos de lá no meio da tarde, queríamos chegar em Nueva Esperanza ainda naquele dia, por ser domingo seria difícil encontrar carona. Marangatu vive em certo isolamento, atualmente não há mais ônibus na região.
Na lanchonete do Baiano esperamos por duas horas, quase sem esperanças eis que aparece Luiz para abastecer seu carro na casa em frente onde estávamos. Mais que depressa fomos até ele, que atendeu prontamente nosso pedido pelo preço da gasolina. Por uma estrada de terra esburacada passamos por fazendas de 50 mil hectares de um único dono, por reservas indígenas arrendadas para o plantio de soja e ouvimos a aventura de Luiz no Brasil, quando foi a Porto Alegre assistir o Grêmio Portoalegrense ser rebaixado para a segunda divisão. Duas horas depois estávamos em Nueva Esperanza completamente empoeirados e cansados. Por 30000 guaranis dormimos na primeira hospedagem que encontramos, com direito a trocar o foco do banheiro num exímio exercício acrobático.

Conteúdo originalmente publicado em 24/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Pato Bragado – Puerto Marangatu – Primer de Marzo

Puerto Marangatu, 2010.

Acordamos cedo para tomar o combinado chimarrão com Walter, um dos pioneiros na região. Deixou seu comércio para abrir estradas para que os primeiros colonos se instalassem. Em Pato Bragado a maioria dos agricultores tem pequenas áreas de terra, alguns deles com fazendas mecanizadas do outro lado da fronteira.
Para Walter o que falta hoje em dia é criatividade, as pessoas pessoas se contentam com empregos. A cidade precisa andar por suas próprias pernas, sem a dependência do dinheiro repassado por Itaipu. Fica feliz por saber que muitas pessoas constroem suas vidas a partir daquilo que começou.
Esperando o ônibus para Porto Britânia, remanescente da ocupação inglesa, conhecemos Dete e Lia, mãe e filha, também iriam atravessar a fronteira. Barca lotada, no sábado muitos vem fazer compras no Brasil, o lago também está muito cheio e logo surgem comentários sobre barcos que afundaram na travessia.
Já Puerto Marangatu, todos possuem suas caronas para seguir em frente. Lia nos aponta Luiz, ele espera em um dos carros, muito sorridente nos leva a venda de seu pai, Demétrio. Conhecemos também Lídia, Berenice e Letícia.
Demétrio trabalhou muito tempo carregando gente de um lado a outro da fronteira, numa dessas travessias seu barco afundou com quatorze pessoas. Nos diz isso como se olhasse para trás dentro de si mesmo. Quatro pessoas morreram. É um dos moradores mais antigos, chegou ainda na década de 1950, quando tudo por lá ainda era mato. Na juventude trabalhou na tipografia, onde aprendeu muito da escrita guarani.
Por lá almoçamos. Ganhamos sementes de poroto. Berenice se animou em fazer umas fotos. As empanadas de Lídia parecem muito saborosas, tem gente que chegou a comer dezesseis numa só vez.
Na cozinha Lídia comenta que tem uma amiga de Curitiba que havia trabalhado no reflorestamento da margem paraguaia do lago, Luiz reforça que pode ser alguém importante para conversarmos. Duas cassas abaixo encontramos Carlos que havia trabalhado com ela e poderia nos passar o contato.
Logo depois Luiz nos deixa casa de Dete, que havia nos convidado para tomar um terere. Sete mulheres a sombra das árvores – Valdete, Lia, Néia, Adriana, Kayla, Djenifer, Kyria. Por lá ainda estava o Chico. Valdete tem uma casa de bailes – o Mania Open Show, onde também serve refeições para funcionários do cilo ao lado. Já foi embora umas 3 vezes e voltou, mas parece que agora vai de vez, seu pai, que vive no Espírito Santo, está doente e precisa de cuidados. Dete conta que seu marido foi indenizado por Itaipu na inundação de suas terras, o que restou delas está logo ali do outro lado da estrada. Depois de ter recebido a bolada ele deu no pé e a deixou com 5 filhos para criar. Lia luta por sua carreira de cantora, já foi comunicadora de rádio e hoje está numa fase transitória entre um grupo em Cuiabá e uma possibilidade em Curitiba. Néia também já fez programa de rádio, tem uma linda voz e duas filhas, Djeni vive no Rio Grande do Sul, Kayla vai estudar em Pato Bragado. Comentou que o cilo substituiu uma série de casas similares as do velho oeste hollywoodiano. Chico trabalha como construtor, em Primer de marzo podemos ver algumas casas fruto de seu trabalho.
Néia e Chico nos levaram de moto até a hospedagem de Arsênia – a profe. Nos recebeu com ar familiar e nos levou a uma casa rústica localizada em frente a um riacho, onde passamos a noite.
Ainda conhecemos Baiano que é proprietário da lanchonete, disse que do Brasil só não conhecia o Maranhão. Seu filho Edgar nos disse que Marangatu é um verdadeiro inferno.

Conteúdo originalmente publicado em 23/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura

Porto Mendes – Puerto Adela – Iguiporã – Pato Bragado

Sr. Francisco, 2010.

De manhã partimos para Porto Adela, na barca umas cinco pessoas, em outros tempos vivia lotada.
Na chegada algumas casas fechadas – depois ficamos sabendo que em uma delas funciona um bar e lanchonete, mas por problemas de saúde não havia ninguém.
Andamos cerca de 500 metros pelo único caminho, encontramos o Destacamento da Marinha, onde paramos em busca de informações sobre o vilarejo, Carlos Pacce nos atendeu. Nenhum dos oficiais que por ali estavam eram moradores da região, a maioria de Assunção. A cada dois meses mudam seus postos, estão lá a um mês. Carlos logo chamou seu superior, o Sub Oficial Principal Gerardo Alfonso, Jefe del Destacamento Naval de Puerto Adela. Em meio a conversa passou um senhor em uma moto, Alfonso lhe fez um sinal para que chegasse até nós. Agapito, nascido em Puerto Adela é um dos responsáveis pela organização comunitária. Contou que nos anos 1970 a maioria dos imigrantes brasileiros que habitavam Puerto Adela trabalhavam com agricultura de subsistência. Já nos anos 1980 e 90 iniciou o processo de mecanização, o que para ele, não foi razão para a diminuição da população e sim, questões de aposentadoria e atendimento à saúde. Agapito estava de passagem, mas nos indicou uma pessoa para continuarmos a conversa, Francisco.
Alfonso e seu filho Marcos nos levaram até a casa de Francisco. Lá fomos recebidos numa sombreada área externa. Já de início Francisco se colocou como um contador de histórias, pois por elas sempre se interessou. Sua curiosidade o levou até a casa da viúva de Allica para saber a verdade sobre as mortes das quais acusavam o finado Allica na época do mensur. Fingindo estar interessado em comprar ferramentas chegou até ao alçapão de onde seguramente Allica encaminhava cobradores, funcionários que não respeitavam ordens ou seus inimigos e de lá caiam direto nas águas do Paraná.
Na época da extração de erva-mate, numa de suas caminhadas pelas trilhas de Canindeyú, Francisco se deparou com um carregador de erva, sua carga era de 160 quilos. Nos demonstrou como o homem caminhava, disse ainda que nos pés do homem não tinha botas, e sim grandes sandálias feitas de borracha – para que seus pés não afundassem no solo devido ao peso que trazia nas costas.
Nos perguntou se gostaríamos de saber porque aquele lugar se chama Puerto Adela, tendo uma resposta positiva iniciou uma nova história. Nas terras brasileiras do mesmo Allica matador de homens (seus domínios iam do Brasil ao Paraguay) havia uma escola que atendia aos filhos dos trabalhadores de Allica, a professora se chamava Adela. A moça estava de casamento marcado com um marinheiro que trabalhava na rota Porto Mendes – Buenos Aires. Seu noivo partiu em última viagem antes do casamento, Adela aguardava sua volta. Nesse meio tempo “homens de Allica” souberam do casamento e a violaram, Adela em desespero cometeu suicídio em honra de seu noivo e deixou uma carta, onde dizia que desejava ser enterrada no Paraguai, seu corpo foi então sepultado na barranca paraguaya do Paraná, hoje submersa.
Ainda contou sobre o cemitério indígena, onde encontrou muitos crânios sobre a terra. Comentou que os indígenas da região enterravam seus parentes com a cabeça para fora. Assim passamos o fim da manhã com Franscisco.
De volta ao Destacamento Naval nos serviram um almuerzo paraguayo, Arroz Altuko e Marinera de Pollo, preparado pelo Chef Carlos Pacce. Muy rico.
Alfonso comentou sobre o serviço militar, as diferenças entre a época da ditadura e hoje.
Um garoto chegou dirigindo uma moto, perguntamos sobre a escola da região. Disse que a tempos ela fechou por falta de alunos.
Aproveitamos ainda para ampliar nosso vocabulário guarani e castellano:
jaqueretê: tigre
perro callejero: vira-latas
jagua-i: fofoqueiro
De volta a Porto Mendes Júlio nos levou até Iguiporã, na parada de ônibus conversamos com uma senhora da região e um tratorista. Não demorou muito até tomarmos um ônibus à Pato Bragado.
Lá conhecemos Walter, pioneiro da região, combinamos que no dia seguinte tomaríamos um chimarrão em sua casa.

Conteúdo originalmente publicado em 22/01/2010 no blog Trânsitos à margem do lago da extinta página web Rede Kuai Tema de Pontos de Cultura